Crítica de Cinema: À Prova de Morte

Posted by Programa Enter

Por: Ronaldo D'Arcadia

Antes tarde do que nunca. Finalmente chega ao Brasil o filme perdido de Quentin Tarantino “À Prova de Morte”.

Lançado em 2007, “À Prova de Morte” foi completamente ignorado pelo circuito brasileiro de cinemas, talvez pela a péssima recepção internacional da obra. O longa fez parte de um projeto ambicioso, que visava homenagear as antigas sessões de “Grindhouse” americanas, onde eram exibidos filmes de terror B durante as madrugadas. Tarantino e seu amigo Robert Rodriguez realizaram com estilo, verdadeiros exemplares de liberdade cinematográfica, apresentando cada um seu próprio delírio, para que no final as obras fossem uma só. A idéia surpreendentemente não deu muito certo, e apesar de “Planeta Terror” (de Rodriguez) e “À Prova de Morte” (de Tarantino) possuírem qualidades inegáveis, seu retorno financeiro foi baixo, e os filmes tiveram de ser divulgados separadamente para uma melhor aceitação.

O filme de Tarantino é uma ode as produções de baixo orçamento e histórias absurdas. Mas o que seriam erros em uma obra B de verdade, aqui são acertos emblemáticos. Cortes secos, erros gritantes no áudio, transposições de cores sem nenhuma explicação lógica, tudo para empregar o espírito de desleixo, ou mesmo de deterioração do rolo do filme que está supostamente sendo exibido. Todas essas intervenções acabam dando aquela áurea cult tão comum nos trabalhos do diretor. Logo no inicio da projeção já podemos perceber um belo exemplo de criatividade dentro deste estilo “frankenstein” de montagem, onde um suposto nome original, “Thunder Bolt”, é alterado pelo nome “À Prova de Morte”. Um toque genial.

A história começa nos apresentando um grupo de amigas que vive em Austin, no Texas. De personalidades fortes e comportamentos ousados, as garotas haviam se encontrado para celebrar a vida e o sucesso da amiga Jungle Julia, uma DJ local que estava chamando atenção nas rádios. Mal sabiam elas que o destino às fariam cruzar com o Stuntman Mike (ou dublê Mike em português). Aparentando ser um quarentão muito louco e boa praça, ele ganha a confiança das garotas, colocando em ação seu plano perfeito. Mike possui um carro feito para cenas de ação em filmes. Toda reforçada, a máquina é “à prova de morte”, pelo menos para o motorista. Além de ser seu antigo objeto de trabalho, o carro é também sua arma do crime, sendo utilizada com requintes de crueldade pelo motorista. Mike parece seguir um padrão, e quando ele se depara por acaso com um grupo parecido com o das amigas de Jungle Julia, inicia uma nova tentativa de seus planos macabros, que acabam seguindo um caminho bem diferente dessa vez.

Apesar de ser aparentemente simples, o roteiro de Tarantino é perfeitamente escrito e amarrado. O foco principal fica nos personagens, ricos e diversificados, muito diferentes das simplórias vitimas dos filmes de terror trash. Com diálogos incríveis (como de costume), o diretor vai de divagações sobre “não conte sempre comigo na hora de fornecer um baseado”, até uma negociação entre duas amigas que envolve manobras arriscadas no capô de um carro e escravidão sexual como recompensa de um favor.

Mas com certeza o mais complexo e interessante personagem é o vilão Stuntman Mike, interpretado com muita propriedade por Kurt Russel. Sua motivação de vitimar mulheres inocentes com seu carro não é claramente explicada para o público: pode ser puro sadismo, o calor da adrenalina ou mesmo um ato de perversão sexual. Ele realmente é uma incógnita. Apresenta momentos de tranqüilidade e carisma, depois mostra ser um psicopata de sangue frio, então comete atitudes de um idiota, chegando a ser patético. Um personagem com falhas e inconsistências, crível e humano. Uma viagem e tanto.

O time de atrizes é composto por garotas jovens, lindas e de talento bruto. Destaques para Zoe Bell, que interpreta ela mesma (uma dublê de muita coragem), Sydney Poitier como a DJ Junglie Julia, e Rosario Dawson fazendo a maquiadora de atrizes de cinema Abernathy. No time dos homens destaque para o sempre amigo Eli Roth como o genérico Dov, e o próprio mestre Tarantino na pele do engraçado dono de bar Warren.

Sendo um trabalho recheado de referências ao mundo do cinema (o filme “60 Segundos”, com Angelina Jolie, é tratado como uma piada, enquanto “Corrida contra o Destino” é glorificado), o diretor imprime novamente sua paixão pela sétima arte. Fazendo sua costumeira exaltação ao poder da beleza feminina, Tarantino enfatiza seu fetiche por pés em uma icônica cena inicial. Além de tudo, a obra consegue criar um clima atemporal, que lembra em muito os anos 70, fato que contrasta com a utilização de celulares pelas personagens.

Fica então a pergunta: porque um filme tão bom demorou tanto para chegar ao Brasil? Infelizmente essa resposta se baseia fortemente em uma visão comercial, sendo que a película, possivelmente só conseguiu ver a luz do dia por aqui, devido ao sucesso da obra prima (como afirma Aldo Raine) “Bastardos Inglórios”. Com um dos finais mais surpreendentes, engraçados e revigorantes do cinema, cenas gore de primeira linha, e muita qualidade na direção, “À Prova de Morte” é garantia de satisfação daqueles que apreciam um cinema novo, de coragem e inovação. Tarantino se divertindo a beça.

One Response so far.

  1. Preciso ver esse filme!! Sou cinéfila e fã de Tarantino...Bastardos Inglórios, Kill Bill, Pulp Fiction, já vi trocentas vezes!
    Bjs

Leave a Reply