Crítica de Cinema: Ponyo – Uma Amizade que Veio do Mar

Posted by Programa Enter

Por: Ronaldo D'Arcadia

O novo filme do mestre Hayao Miyazaki é perfeito do inicio ao fim. Com uma voz única, o diretor nos apresenta a incrível história de amizade entre Sosuke e a menina peixe Ponyo.

Para alcançarmos o ângulo perfeito de apreciação do cinema de Hayao Miyazaki, primeiramente precisamos nos desprender totalmente de qualquer outra linguagem cinematográfica dominante. Isso às vezes é complicado, pois nas realidades claramente alternativas do diretor, o que impera são suas influências e sua criatividade inovadora mediante a cultura oriental.

Desde seu começo humilde, com “O Castelo de Cagliostro”, Miyazaki seguiu uma trilha de evolução que chamou a atenção do mundo, fato que alcançou seu ápice com o sucesso de crítica “A Viagem de Chihiro”, que levou Urso de Ouro no Festival de Berlim em 2002, além de ganhar o Oscar de melhor animação em 2003. Logo em seguida veio “O Castelo Animado”, talvez mais belo e harmonioso do que seu filme anterior.

Comparações a parte, essas duas obras memoráveis deixaram todos muito curiosos em relação aos próximos passos do diretor. E assim nasceu “Ponyo – Uma Amizade que Veio do Mar”.Financiado pelos estúdios Disney, Miyazaki novamente encontra o equilibro perfeito para contar sua história de amizade.

Ponyo é um ser que vive no oceano. Não é um peixe, é algo mais, algo fantástico como uma sereia. De aparência estranha, é apenas corpo, cabeça e olhos, e vive com seus muitos irmãos, todos idênticos, mas ironicamente menores, fazendo de Ponyo uma espécie de “irmã mais velha”, cargo que possibilita atitudes diferenciadas, como por exemplo ir passear próximo as praias humanas, onde fatidicamente existem seus riscos. Após escapar de uma rede de coleta de lixo (muito lixo - crítica inserida de forma simples, mas contundente), Ponyo fica presa em uma garrafa, e acaba indo parar na costa. Lá é encontrada por Sosuke, um menino esperto que prontamente a ajuda, e assim se afeiçoa ao bichinho.

Mas a relação entre o garoto e o ser fantástico é um perigo para o equilíbrio natural de nosso mundo, e é por isso que forças desconhecidas, vindas dos sete mares, tentaram um resgate de emergência. Mas de qualquer forma, o pequenino peixe não deixará que o afastem dessa nova realidade que encontrou. Ponyo quer ser humana, e consegue se transformar em uma menina de verdade. O resultado desta persistência por um encontro causa efeitos devastadores, maremotos, mas esta união é profunda, e nada parece mudar isso.

Se em “A Viagem de Chihiro” e “O Castelo Animado” Miyazaki nos jogou de cabeça em universos completamente únicos, em “Ponyo...” ele inverte a jogada e introduz um universo único em nosso mundo. Existe mistério por trás da existência de Ponyo. Ela vive com seu pai, um antigo humano muito atrapalhado que é o responsável pelo bom funcionamento dos mares. Ele cuida de sua prole com muito afinco, e segue as ordens da mulher e mãe dos filhotes, ninguém menos que uma deusa dos oceanos. É interessante então analisar que o diretor se afasta do mítico ao levar Ponyo para dentro da casa de Sosuke. Muito mais do que uma simples menina, ela é uma entidade da natureza e constantemente surpreende seu novo amigo com proezas mágicas, como por exemplo, transformar um barquinho de brinquedo em um barco de verdade.

A evolução biológica, e fantasiosa, de Ponyo é fantástica e crível dentro de sua realidade. Completamente dominadas pelo o instinto, as cenas são conduzidas com maestria, nos levando absorver a evolução do ser, que vai do pequenino peixinho de personalidade forte, até a menina de comportamento extremamente cognitivo e, acima de tudo, feliz.

É claro que o deslumbre visual é outro fator muito importante. Usando técnicas de animação únicas, o filme é belo como seus antecessores. Personificações que variam entre a perfeição da modelagem, ao escracho costumeiro das formas (tão famosas entre os orientais). O mundo subaquático não segue um padrão realista e linear igual às animações americanas. Os peixes parecem criações espontâneas, ilusórias, e muitas vezes surreais. Miyazaki, pop e antenado, cria dentro deste cenário algumas curiosidades que só ele mesmo para imaginar, como por exemplo, a conexão entre as raças, onde Ponyo consegue através de uma espécie de água viva se conectar a outro peixe maior, ficando assim em uma cabine natural, onde controla os movimentos desse amálgama de seres.

Pode parecer impossível tentar comparar animações americanas (Pixar, por exemplo) com esta obra, mas semelhanças existem, principalmente no quesito natural de seus eventos. Enquanto um lado consegue explorar personalidades complexas em brinquedos, e emocionar (e muito) com elas, o outro lado utiliza a surrealidade de uma garota correndo sobre o mar revolto atrás de seu melhor amigo. Mesmo com estes cenários aparentemente fugazes, a compreensão da mensagem final é perfeita.

Colocando então Ponyo em terra firme, Miyazaki opta por abordar o cotidiano da família classe média de Sosuke. A mãe Lisa trabalha em um asilo de idosos, o pai do garoto trabalha no oceano, e se comunica com a família (que mora bem próxima da costa) por meio de códigos de luz (morse). A abordagem do diretor não poderia ser mais realista, e este talvez seja um fator de destaque do longa, um fator que aproxima ainda mais seu cinema do público mundial, mas sem perder sua essência primordial. A correria do dia a dia, uma tarde na escola, o trabalho com as velhinhas, tudo inserido a favor da história que está contando. A trilha sonora, carregada de sentimento é uma ode as obras nipônicas, e se destaca como ponte de ligação entre as cenas. No elenco de dubladores ocidentais estão Cate Blanchett, Noah Cyrus, Matt Damon, Tina Fey e Frankie Jonas, mas com certeza o áudio original em japonês é infinitamente superior devido à expressividade do idioma.

E é assim que “Ponyo – Uma Amizade que Veio do Mar” funciona do começa ao fim. Com roteiro e personagens inspirados, o diretor conta sua história como uma lenda de sabedoria. Talvez o desfecho possa parecer demasiadamente correto, mas este é um toque oriental que em nada afeta a obra. Acredite, eu gostaria de explorar muitos outros elementos nesta crítica, mas me falta espaço, é impossível abordar todo o universo de Ponyo em poucas palavras. Fazendo uma clara referência a seu “A Viagem de Chihiro”, Ponyo e Sosuke em certo momento se encontram frente a um túnel misterioso no meio da mata. Metaforicamente, ali seria a entrada para o mundo fantástico de Miyazaki, um lugar onde não dar uma espiada parece impossível.

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