Crítica: Micmacs – Um Plano Complicado

Posted by Programa Enter

Por: Ronaldo D'Arcadia

Em meio a tramóias meticulosamente elaboradas, Jean-Pierre Jeunet agrada com um humor despretensioso.



Envolvido em uma áurea cult pintada de verde, vermelho e amarelo, Jean-Pierre Jeunet transpira criatividade. Foi assim com seu surreal “Delicatessen”, com o elaborado “Ladrão de Sonhos”, em sua obra prima “O Fabuloso Destino de Amélie Poulain” e em seu belíssimo “Eterno Amor”. Obras que trazem sua personalidade estampada nos diálogos que sempre passeiam pelo deslumbre do improvável, na direção segura e inovadora, ou na fotografia saturada e sempre insanamente colorida.

Em “Mimacs – Um Plano Complicado”, o diretor ironicamente chega descomplicando tudo, trazendo uma história relativamente simples, que não se leva a sério em momento algum. Ela começa nos apresentando Bazil, um pobre infeliz que, após levar uma bala perdida na cabeça (que permaneceu alojada por lá mesmo), vê sua vida virar de pernas para o ar. Enquanto ficou internado para cuidar de seu ferimento, ele tem todos os bens roubados de sua humilde moradia, além de perder o emprego na locadora de vídeos.

Com uma mão na frente e outra atrás, o destino de Bazil acaba sendo morar na rua, e lá conhece Placard, um velho presidiário boa praça que trata de apresentar o jovem mendigo para uma verdadeira gangue de maltrapilhos que vive em uma fortaleza feita de sucata. Unidos, eles formam uma grande e disfuncional família, que consegue tirar do lixo seu sustento, além de outras coisas um tanto quanto incríveis, por sinal.

O fato é que Bazil quer vingança. Quando criança, ele perdeu o pai, vítima de uma mina terrestre no oriente médio. Além disso, toda sua dignidade foi para o ralo depois do maldito tiro acidental que levou, ou seja, os verdadeiros vilões desta história são os mercadores da morte Nicolas Thibault de Fenouillet (dono da “Les Arsenaux D’Aubervilliers”, empresa fabricante da bala alojada em sua cabeça) e François Marconi ( dono da “La Vigilante De L’Armement”, empresa fabricante da mina terrestre que matou seu pai). Coincidentemente, as duas empresas concorrentes estão localizadas uma de frente para outra, como se estivessem se encarando para uma briga.

Começa então o plano mirabolante e complicado de Bazil, que é, basicamente, por meio de tramóias muito bem planejadas, e principalmente, bem executadas, colocar Marconi e Fenouillet em guerra.

Apesar do humor de excelente bom gosto, e do texto requintado (assinado pelo próprio Jeunet, juntamente a Guillaune Laurant), este não acaba sendo um dos melhores roteiros trabalhados pelo diretor. Claramente, a história ganha ares vertiginosos pelos rebuscados diálogos adotados, mas lá pelo meio do segundo ato, quando a trama está completamente exposta, o longa fica basicamente estacionado na elaboração de armadilhas e golpes, demonstrando um ar realmente despretensioso.

O grande diferencial é a direção brilhante de Jeunet, que eleva muito o nível da obra. Adotando seu peculiar tom melancólico, ele abusa, assim como em o “Ladrão de Sonhos” e “Delicatessen”, dos cenários poluídos e carregados, onde em meio à bagunça e o caos, sempre há um espírito acolhedor. Utilizando de um tom teatral, bastante mambembe, todas as tramóias são uma homenagem para aquela típica aventura cômica, de um “inspetor bugiganga” amalucado, mas não pelo fato da modernidade ou algo do gênero, a referência aqui é a excentricidade dos planos em questão. A trilha sonora funciona perfeitamente com o andamento, mas não chama tanta atenção como em suas obras anteriores.

O destaque entre o time de atores é com certeza Danny Boon, que interpreta o esquisitão Bazil. Estando em evidência na França, após o bem sucedido “A Riviera Não é Aqui”, sua interpretação demonstra todas as qualidades de um verdadeiro artista, onde a presença corporal é fator fundamental. Seguindo esta mesma linha temos também Julie Ferrier, uma contorcionista que da muita credibilidade para sua La Môme Caoutchouc. O time de coadjuvantes é grande, sendo formado por ótimos atores, como Dominique Pinon, velho colaborador de Jeunet, que aqui interpreta Fracasse, um maluco que sonha entrar no Guinness Book em diversos quesitos. Temos ainda Marie-Julie Baup como Calculette, garota nerd que, como o nome mesmo diz, é ótima em cálculos. Os atores André Dussollier e Nicolas Marié, que interpretam os vendedores de armas Fenouillet e Marconi, respectivamente, também trazem muita personalidade para seus personagens.

Com “Micmacs – Um Plano Perfeito”, Jeunet aparece despreocupado, e entrega uma obra prazerosa de se ver. Apesar de possuir uma trama básica, o roteiro é recheado de pequenos enfeites, lapidados com precisão pelo diretor francês, que vão desde os inovadores títulos iniciais até os bizarros fetiches de seus personagens. Estes detalhes, unidos a uma direção sempre apaixonada, fazem da obra uma peça diferenciada em nosso cinema atual. Vale a pena conferir.

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