Archive for dezembro 2010

Crítica: Tron - O Legado

Posted by Programa Enter

Por: Ronaldo D'Arcadia

Quase trinta anos depois o universo de Tron continua um lugar a ser visitado, mas dessa vez de forma menos interessante.


Quando “Tron - Uma Odisséia Eletrônica” foi lançado eu nem ao menos havia nascido, mas desde muito cedo já via nele um diferencial gritante: a audácia de empregar um visual único alicerçado pela computação gráfica da época, os famosos “efeitos especiais”. Muitos anos se passaram, e o universo de Tron continua um lugar atual, vintage e ao mesmo tempo contemporâneo, com o potencial de render novas histórias e mais alguns milhões em bilheterias (e complementos).

A história começa com Kevin Flynn (Jeff Brigdes) contando ao seu pequeno filho Sam as inúmeras possibilidades revolucionarias de seu trabalho, e como anseia em compartilhar isto com ele. Isto nunca ocorreu, devido aos acontecimentos do primeiro filme. O garoto então cresce sem o pai, mas sempre enxergando sua sombra na rentável corporação Encom de tecnologia. Mesmo tendo uma relação de “padrasto e filho revoltado” com a diretoria da empresa, o jovem rapaz é peça presente do patrimônio, que poderia estar em suas mãos, mas por escolha não está. É então que algo estranho ocorre, levando Sam a visitar o antigo fliperama de seu pai. Lá ele encontra sua passagem de ida para a “Grade”, esta espécie de universo metafísico onde programas vivem em sociedade.

Logo sendo capturado por um típico firewal, o sistema acaba não reconhecendo que programa Sam é, mesmo ele afirmando não ser um programa. Sua sentença é participar dos temidos “jogos”, uma arena de gladiadores que serve de diversão para a Grade enquanto elimina softwares desconhecidos. Sua única chance é escapar de lá, para assim buscar respostas com aquele que criou todo este universo, seu desaparecido pai.

O mote central de “Tron – O Legado” é a relação pai e filho. Toda a criatividade do universo é o principal fator que instiga a trama, que no final fica em segundo plano, perdendo para o visual arrojado e trilha sonora excepcional (realizada pelo Daft Punk, dupla francesa de música eletrônica que aparecem como DJ’s mascarados). Sendo registrado parcialmente em 3D, o filme traz um aspecto maravilhoso, com o escuro universo da Grade iluminado por seus prédios e habitantes bizarros. A repaginada do visual (mediante ao primeiro longa) foi de bom gosto, tornando tudo muito mais limpo e afiado.

Filmado pelo diretor estreante Joseph Kosinski , o filme traz cenas de ação de qualidade, cheio daqueles clichês que todos adoram, como muito slowmotion (tipicamente “Matrix”), profundidades de 3D bem trabalhadas, e um quesito que pode se dizer ser o mais interessante de todos: a brutalidade da morte suavizada em forma de cubos. Outro ponto mais que positivo, sendo uma evolução que faz jus ao nome Tron, é a qualidade digital de Clu, personagem vilão que é uma cópia exata de Jeff Bridges nos anos oitenta. Seu realismo é incrível e talvez até confunda os mais desavisados.


Mas como um todo “Tron – O Legado” possui diversos problemas. Primeiramente, o roteiro não tenta, ou nem se importa em tentar transformar seu herói principal Sam em alguém carismático, sendo ele raso e distante do público. A atuação pouco convincente de Garrett Hedlund colabora com esse resultado, e a falta de conteúdo de seu personagem é clara depois de frases de efeito furadas como “Você deve estar de brincadeira!”. Outro problema grave é a amnésia que o filme sofre após entrar na Grade. Logo no início, somos apresentados a diretoria da Encom, que aparentemente tenta enterrar o nome Flynn e alçar voos capitalistas mais altos. Este contexto é simplesmente esquecido, o que explica a ponta não creditada de Cillian Murphy, que até aparentava ser o vilão da vez, mas talvez fique para a próxima. Toda esta inconsistência se expande por toda a história e seus personagens, que no final não conseguem se desenvolver de forma satisfatória.

Só que mesmo com o roteiro fraquíssimo não colaborando, Jeff Bridges em alguns momentos emociona com o amor paterno de seu Kevin Flynn e Olivia Wilde esta linda e versátil como a essencial Quorra, guerreira que precisa ser protegida. Ainda falando sobre os atores, temos o excelente Michael Sheen transvestido de David Bowie (vulgo Ziggy Stardust) interpretando o maluco Castor. E só. E o programa Tron por onde anda? Ou Alan Bradley? Bem, ele pelo menos é inserido, de forma capenga por sinal .

Sendo um high concept de primeira, que visa lucrar muito com seus inúmeros brinquedos e jogos, fica a sensação de que faltou muito feeling na hora de se produzir este filme. O visual diferenciado com certeza arrastará multidões para o cinema, mas isso não apaga os inúmeros defeitos de roteiro, e um personagem principal sem carisma interpretado de forma duvidosa. Como disse em outras críticas, agora volto a dizer, como nenhum filme vive apenas de cenas mirabolantes de ação, o resultado é simplesmente morno. Uma decepção.

Crítica: As Crônicas de Nárnia – A Viagem do Peregrino da Alvorada

Posted by Programa Enter

Por: Ronaldo D'Arcadia

Apesar do poderoso universo de C.S. Lewis, este novo filme da franquia não apresenta nada de novo, e cada vez mais perdemos a fé nela.

A franquia “As Crônicas de Nárnia”, baseada no mundo criado por C.S. Lewis, nunca foi um êxito total. Atores sem experiência e produções claramente controladas sempre foram os agravantes desta máxima, juntamente é claro a difícil missão de transferir de forma respeitável as histórias dos livros para as telas. Nesta terceira parte, embarcamos no navio Peregrino da Alvorada, para agora explorar os oceanos de Nárnia e suas misteriosas ilhas. Mas esta viagem pode causar certo desconforto.

Tudo começa quando os irmãos Lúcia e Edmundo se encontram entediados na casa de seus tios, naquilo que deveriam ser férias. Para piorar tudo, além da guerra - que ainda perturba o sono dos ingleses -, tem o chato primo Eustáquio Scrubb (Scrubb que pode ser traduzido como Mísero). Irritante até no nome e sobrenome, o garoto gosta de infernizar seus primos sendo o anfitrião mais antipático possível. Mas o destino pregaria uma peça bastante disciplinar em Eustáquio. Ele e seus primos não esperavam, mas o belo quadro de um navio em águas turbulentas que ficava no quarto de hóspedes era uma janela para Nárnia, e para lá eles literalmente emergiram, a bordo da magnífica embarcação em forma de dragão.

Em meio a muitos protestos do mimado Eustáquio, o barco segue seu caminho rumo a uma missão de suma importância para Nárnia. Com o Rei Caspian no comando, a expedição precisa encontrar as sete espadas dos sete Lordes desaparecidos, e para isso terão de enfrentar seus piores pesadelos. O inimigo agora está na mente de cada um deles.

Aqueles que conhecem a obra original de C.S. Lewis perceberam mudanças claras na história. Ao invés de procurar Lordes eles essencialmente procuram espadas, e não se surpreenda se a Grande Névoa der as caras por aqui. Todas as mudanças foram feitas sob o argumento de “deixar o público cativado”, como se o texto original não fosse capaz do mesmo.


A direção do filme é de Michael Apted, britânico que tem extenso currículo, principalmente em produções para TV. Apesar de retratar belos momentos, quase todos alicerçados por maciços efeitos especiais, suas cenas em diversos momentos perdem o timing e acabam se tornando monótonas e maçantes. Parte da culpa está também no roteiro do trio Christopher Markus, Stephen McFeely e Michael Petroni, que praticamente até hoje só trabalharam na franquia. O humor é desconcertantemente sem graça e até mesmo bons personagens, como Eustáquio, acabam soando caricatos em excesso. Os dilemas de Lúcia, por exemplo, são trabalhados de forma superficial, como se fosse uma obrigação citá-los. Embates entre Caspian e Edmundo parecem pouco naturais. Mesmo toda a simbologia de fé e cristianismo está escassa. Sendo o segundo filme o mais contundente na abordagem de Aslam/Deus, neste, o tema fica renegado a poucos momentos finais.

Talvez a escolha de Dante Spinotti para dirigir a fotografia não tenha sido a mais acertada. Spinotti é um excelente profissional, que já trabalhou com perfeição para grandes diretores, sendo sua parceria mais produtiva com Michael Mann, com quem realizou “Inimigos Públicos”, “O Informante” e outros. Seu estilo de fotografia é incrível e diferenciado, onde com pouca iluminação, sua captação parece tão natural que se assemelha a uma câmera de mão de alta qualidade. Mesmo Mann, quando não trabalha com ele, costuma copiar seu estilo, por trazer um realismo intenso para cenas de tiroteios noturnos. No caso de Nárnia, todo esse realismo acabou não funcionando de forma adequada, e os garotos, vestidos com roupas pesadas e espalhafatosas, mais pareciam estar fantasiados do que propriamente vestidos. Uma película mais requintada e densa seria uma ótima solução neste caso.

Tendo a obrigação de segurar o papel principal do longa, a dupla Georgie Henley e Skandar Keynes, respectivamente Lúcia e Edmundo, fazem o que podem. Sendo atores iniciantes, que tem apenas a franquia Nárnia como background, suas interpretações deixam a desejar, faltando em certos momentos carisma em Skandar e mais flexibilidade em Georgie, que apesar de possuir um brilho próprio, precisa amadurecer como atriz. Ben Barnes está correto, mas não chama atenção com seu Caspian, sendo que o grande destaque é, querendo ou não, Will Poulter, como o pentelho Eustáquio. O ator mirim possui uma aparência tão inusitada que parece tirado de algum conto do desenhista Hergé, e seu entusiasmo é excepcional. Com o ótimo “O Filho de Rambow” no currículo, o garoto chama atenção, conseguindo captar o ar insuportável do personagem, e depois, obviamente, redimi-lo. Com certeza o melhor personagem, e mais bem trabalhado, é o rato Reepicheep, dublado pelo sempre excelente Simon Pegg. O pequeno espadachim se torna a babá de Eustáquio, e desta relação surgem as melhores piadas e os momentos mais dramáticos. Pegg desaparece na voz do pequeno guerreiro, e faz um trabalho competente.



“As Crônicas de Nárnia – A Viagem do Peregrino da Alvorada” tem seus bons momentos, com belas cenas computadorizadas e um final dramático de bom gosto. Mas todo o resto acaba se tornando um passeio cansativo, com cenas de ação pouco aproveitadas, embates psicológicos rasamente explorados, interpretações automáticas e roteiro equivocado. Infelizmente uma obra que não faz jus a seu criador C.S.Lewis.

Crítica: A Rede Social

Posted by Programa Enter

Por: Ronaldo D'Arcadia

I’m CEO, B**ch!


 Toda a história do Facebook propõe uma bela ficção, ainda mais quando contada pelas mãos mais que competentes de David Fincher, aclamado diretor de clássicos modernos como “Clube da Luta” e “O Curioso Caso de Benjamin Button”. Sendo primeiramente visto como um projeto inusitado, o filme é hipnotizante do começo ao fim, e traça passo a passo a velada guerra daqueles que um dia foram parceiros de negócios, e também amigos.

Mark Zuckerberg, criador do Facebook, mais novo bilionário da história e potencialmente um Bill Gates desta geração, é esmiuçado com um olhar clínico, que por vezes vangloria sua inteligência e sagacidade, assim como expõe todos seus defeitos claramente perceptíveis. Conclusivo e preciso como uma máquina, o jovem prodígio agia como uma, controlando seus sentimentos, seus amigos e trabalhos de forma assustadoramente fria e calculista. Em um mundo que se rendeu a era digital, Zuckerberg era rei e o Facebook seu reinado, um reinado que de tão importante se tornou maior do que ele ou qualquer outro que atravessasse seu caminho.

Roteirizado de forma auspiciosa por Aaron Sorkin (Jogos do Poder), a história apresenta fatos contundentes desta disputa judicial acirrada. Hora vemos Zuckerberg encarando Divya Narendra e os gêmeos Cameron e Tyler Winklevoss, pretensos criadores de uma idéia que poderia ter se transformado no Facebook. Já no outro corner temos Eduardo Saverin, brasileiro tido como co-fundador do site e também único amigo de Zuckerberg na época, que o trairia posteriormente. Alicerçada pelo livro de Ben Mezrich “The Accidental Billionaires: The Founding of Facebook, a Tale of Sex, Money, and Betrayal” (livro que teve Saverin como principal fonte), a história contada parece tirada dos autos do caso, em cenas simplesmente eletrizantes onde o nível intelectual de Zuckerberg se destaca, sendo muitas vezes inteligentemente evasivo e também cruelmente verdadeiro.

Em meio a isso, de forma atemporal, a história se desenrola conforme vai sendo citada neste julgamento de gente grande (grande conta bancaria). Está tudo lá: a chacota com Harvard e sua respeitável rede que foi abaixo depois do compartilhado Facemash, a evolução ensandecida do novo thefacebook, a ira dos traídos, a idolatria por Sean Parker, sujeito que simplesmente ensinou a internet a compartilhar seus downloads através de sua Napster, e claro, o início de tudo, o homérico fora de Zuckerberg, que o deixou bêbado e potencialmente criativo (ou seria vingativo?). Tudo devidamente registrado em seu blog, no qual escrevia simultaneamente enquanto programava tudo e todos ao mesmo tempo.

Com um nível de amadurecimento além das expectativas (já muito boas), a destreza do diretor David Fincher se revela em cada cena. A precisão dos movimentos de sua câmera, o respeito e atenção com que aborda seus personagens e locais - como a apresentação dos títulos iniciais que revela Harvard de forma gradualmente bela-, e com cenas de impacto sem igual- como a disputa de remo que parece ser filmada por um Kubrick moderno. Com montagem simétrica e fotografia excelente (de Jeff Cronenweth que fez “Clube da Luta”), o filme funciona em todas as camadas. Ponto forte fundamental é a trilha sonora de Trent Reznor (da banda Nine Inch Nails) e Atticus Ross. Sendo uma mistura homogênea, ela é clássica e sutil quando aborda cenas de contemplação, e pulsante, eletrônica e orgânica quando quer instigar suas sequências perfeitamente amarradas.

Seguindo a mesma linha de todas suas obras, Fincher consegue tirar tudo de seus atores, neste caso, jovens em ascensão. Jesse Eisenberg já mostrou que gosta de flertar com o humor em filmes como “Zumbilândia” e “Férias Frustradas de Verão” (péssimos nomes, se me permitem comentar), mas foi como Zuckerberg que ele realmente provou ser um ator digno de nota. Não fugindo muito de seu estereotipo, Eisenberg emprega de forma madura e assustadoramente competente o tom robótico de seu personagem, e no mínimo merece respeito por despejar toneladas de frases absurdamente complicadas sem ao menos piscar, proeza que se torna difícil até para os mais experientes rappers da atualidade. Mesmo que aprisionado a esta chatice latente, o ator consegue sutilmente fazer com que as emoções desse Zuckerberg de Fincher sejam exploradas, o tornando humano, e assim demonstrando como somos privilegiados por termos relações mais enfáticas do que o garoto bilionário. Sua camuflada fraqueza faz dele o anti-herói atormentado que ganha o público.

Ainda no mesmo nível, Andrew Garfield apresenta muita naturalidade em cena como o brasileiro Eduardo Saverin. Muito mais passional, seu personagem é o coração mais humano entre todos, fazendo de seu carisma a vergonha da traição de Zuckerberg. Justin Timberlake também chama a atenção com seu Sean Parker, nerd figurão que traz um histórico de polêmicas para a fundação do Facebook. Seu raciocínio acelerado e simpatia vão de encontro com sua falsidade congênita. Temos ainda Armie Hammer ao dobro como os honrados cavalheiros de Harvard, os irmãos Winklevoss, Rooney Mara como o amor perdido Erica Albright e Rashida Jones como a advogada assistente Marylin Delpy, que mostra para Zuckerberg que nem tudo está perdido para ele no assunto “relacionamentos”.


Como disse no início, querendo ou não, tudo é ficção. Talvez a invenção do Facebook não tenha sido esse drama todo, mas inegavelmente o filme de David Fincher, através de um simbolismo ampliado e utilizando de códigos variados, consegue alcançar um resultado que pode ser considerado algo bem próximo da realidade. Com um roteiro dinâmico e perfeitamente talhado, com diálogos inteligentes, por vezes psicologicamente arrasadores, a obra se torna mais uma pérola na coleção do diretor. Filme para se ver várias vezes.