Archive for outubro 2010

Crítica: Micmacs – Um Plano Complicado

Posted by Programa Enter

Por: Ronaldo D'Arcadia

Em meio a tramóias meticulosamente elaboradas, Jean-Pierre Jeunet agrada com um humor despretensioso.



Envolvido em uma áurea cult pintada de verde, vermelho e amarelo, Jean-Pierre Jeunet transpira criatividade. Foi assim com seu surreal “Delicatessen”, com o elaborado “Ladrão de Sonhos”, em sua obra prima “O Fabuloso Destino de Amélie Poulain” e em seu belíssimo “Eterno Amor”. Obras que trazem sua personalidade estampada nos diálogos que sempre passeiam pelo deslumbre do improvável, na direção segura e inovadora, ou na fotografia saturada e sempre insanamente colorida.

Em “Mimacs – Um Plano Complicado”, o diretor ironicamente chega descomplicando tudo, trazendo uma história relativamente simples, que não se leva a sério em momento algum. Ela começa nos apresentando Bazil, um pobre infeliz que, após levar uma bala perdida na cabeça (que permaneceu alojada por lá mesmo), vê sua vida virar de pernas para o ar. Enquanto ficou internado para cuidar de seu ferimento, ele tem todos os bens roubados de sua humilde moradia, além de perder o emprego na locadora de vídeos.

Com uma mão na frente e outra atrás, o destino de Bazil acaba sendo morar na rua, e lá conhece Placard, um velho presidiário boa praça que trata de apresentar o jovem mendigo para uma verdadeira gangue de maltrapilhos que vive em uma fortaleza feita de sucata. Unidos, eles formam uma grande e disfuncional família, que consegue tirar do lixo seu sustento, além de outras coisas um tanto quanto incríveis, por sinal.

O fato é que Bazil quer vingança. Quando criança, ele perdeu o pai, vítima de uma mina terrestre no oriente médio. Além disso, toda sua dignidade foi para o ralo depois do maldito tiro acidental que levou, ou seja, os verdadeiros vilões desta história são os mercadores da morte Nicolas Thibault de Fenouillet (dono da “Les Arsenaux D’Aubervilliers”, empresa fabricante da bala alojada em sua cabeça) e François Marconi ( dono da “La Vigilante De L’Armement”, empresa fabricante da mina terrestre que matou seu pai). Coincidentemente, as duas empresas concorrentes estão localizadas uma de frente para outra, como se estivessem se encarando para uma briga.

Começa então o plano mirabolante e complicado de Bazil, que é, basicamente, por meio de tramóias muito bem planejadas, e principalmente, bem executadas, colocar Marconi e Fenouillet em guerra.

Apesar do humor de excelente bom gosto, e do texto requintado (assinado pelo próprio Jeunet, juntamente a Guillaune Laurant), este não acaba sendo um dos melhores roteiros trabalhados pelo diretor. Claramente, a história ganha ares vertiginosos pelos rebuscados diálogos adotados, mas lá pelo meio do segundo ato, quando a trama está completamente exposta, o longa fica basicamente estacionado na elaboração de armadilhas e golpes, demonstrando um ar realmente despretensioso.

O grande diferencial é a direção brilhante de Jeunet, que eleva muito o nível da obra. Adotando seu peculiar tom melancólico, ele abusa, assim como em o “Ladrão de Sonhos” e “Delicatessen”, dos cenários poluídos e carregados, onde em meio à bagunça e o caos, sempre há um espírito acolhedor. Utilizando de um tom teatral, bastante mambembe, todas as tramóias são uma homenagem para aquela típica aventura cômica, de um “inspetor bugiganga” amalucado, mas não pelo fato da modernidade ou algo do gênero, a referência aqui é a excentricidade dos planos em questão. A trilha sonora funciona perfeitamente com o andamento, mas não chama tanta atenção como em suas obras anteriores.

O destaque entre o time de atores é com certeza Danny Boon, que interpreta o esquisitão Bazil. Estando em evidência na França, após o bem sucedido “A Riviera Não é Aqui”, sua interpretação demonstra todas as qualidades de um verdadeiro artista, onde a presença corporal é fator fundamental. Seguindo esta mesma linha temos também Julie Ferrier, uma contorcionista que da muita credibilidade para sua La Môme Caoutchouc. O time de coadjuvantes é grande, sendo formado por ótimos atores, como Dominique Pinon, velho colaborador de Jeunet, que aqui interpreta Fracasse, um maluco que sonha entrar no Guinness Book em diversos quesitos. Temos ainda Marie-Julie Baup como Calculette, garota nerd que, como o nome mesmo diz, é ótima em cálculos. Os atores André Dussollier e Nicolas Marié, que interpretam os vendedores de armas Fenouillet e Marconi, respectivamente, também trazem muita personalidade para seus personagens.

Com “Micmacs – Um Plano Perfeito”, Jeunet aparece despreocupado, e entrega uma obra prazerosa de se ver. Apesar de possuir uma trama básica, o roteiro é recheado de pequenos enfeites, lapidados com precisão pelo diretor francês, que vão desde os inovadores títulos iniciais até os bizarros fetiches de seus personagens. Estes detalhes, unidos a uma direção sempre apaixonada, fazem da obra uma peça diferenciada em nosso cinema atual. Vale a pena conferir.

Um evento pra morto-vivo nenhum botar defeito!

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Em 1968 o mundo conheceu o diretor George A. Romero e sua obra "A Noite dos Mortos Vivos”. Ele conseguiu criar uma obra prima do terror onde seres humanos mortos renasciam com uma fome insaciável por carne humana que se tornou sucesso no mundo todo e conseguiu uma legião de fãs. Quarenta e dois anos depois, e muitos mais filmes, livros, jogos de videogames, música sobre os cadáveres ambulantes depois, o mundo do terror criou uma coisa bizarra chamada “Zombie Walk” que acontecerá em Poços de Caldas – MG e você está convidado. Da uma olhadinha na explicação abaixo:

 

Crítica: The Runaways - Garotas do Rock

Posted by Programa Enter

Por Ronaldo D'Arcadia

O filme tenta tudo, menos retratar de forma satisfatória a história da banda.


 
Em 1975, um grupo de garotas resolveu colocar uma vírgula na história do rock. O conjunto The Runaways foi o primeiro formado apenas por mulheres, que cantavam um rock ‘n’ roll de qualidade e principalmente de atitude. Por trás do sucesso, como sempre, havia um mentor, chamado Kim Fowley, que construiu o visual da banda como ponto primordial, seguindo o conceito, já muito bem sucedido, “Sex Pistols” de ser. Mas isso não queria dizer que o som não era bom, muito pelo contrário. Mas depois de pouquíssimo tempo, quatro anos para ser mais exato, a banda terminou devido a conflitos, que se mostravam evidentes com a constante troca de integrantes.

“The Runaways – Garotas do Rock” apresenta a história da banda desde seu inicio (ou tenta), quando a vocalista e guitarrista Joan Jett conhece o produtor Kim Fowley e a baterista Sandy West, e posteriormente a baixista Jackie Fox (que no filme é substituida por uma personagem fictícia chamada Robin), a guitarrista Lita Ford e a sedutora vocalista “sweet sixteen” Cherie Currie.

O filme passa pelos seus olhos sem dizer nada e nem deixar saudades. Montando os fatos de forma precária e ilusória, não conseguimos nem ao menos captar um terço da essência da banda verdadeira. Baseado no livro "Neon Angel: The Cherie Currie Story", escrito pela própria Currie, fica a dúvida se a obra é sobre a vocalista e sua parceira Joan Jett, ou um retrato da banda. Dos ensaios para o sucesso, do sucesso para as drogas, das drogas para os conflitos e o inevitável fim. Tudo comprimido de forma incrivelmente medíocre, com as outras integrantes sendo simplesmente extirpadas do processo.

Claramente que todos os olhos estão voltados para as garotas prodígio Dakota Fanning e Kristen Stewart, interpretando Cherie Currie e Joan Jett, respectivamente. Apesar do talento das garotas, o resultado, assim como todo o filme, é desprovido de alma própria. Enquanto Fanning parece desconfortável ao se despir, literalmente, da inocência de outrora - onde falava com animais e era sempre inteligentemente fascinante-, Stewart se sai um pouco melhor com a masculinizada Jett, mas apesar de entregar uma interpretação satisfatória, seus trejeitos de garota tímida (que já estão se tornando um cacoete) acabam minando o resultado final, mostrando que sempre tem um pouco de “Bella” em suas personagens.

Já Kim Fowley, interpretado pelo sempre excêntrico Michael Shannon, é um refresco, apesar de que, com um tempo de projeção, sua chatice se torne um fator limitante. Claramente que o produtor, assim como todos bons vendedores de celebridades da época, devia ser um sujeito intragável, mas seu repetitivo incentivo a banda, baseado apenas em insinuações sexuais, acabam em certo momento cansando. Mas no geral seu personagem é de longe o melhor.

Já as outras integrantes simplesmente não existem. Como já foi dito, a baixista Jackie Fox não quis ser nem ao menos citada no filme, sendo substituída pela ficcional Robin, que entra e sai calada. Lita Ford, a guitarrista virtuosa de cabelos lisos, tem suas únicas aparições direcionadas à posição de chata e vilã, o que fica explicito em uma cena final, onde o senso do ridículo é simplesmente ultrapassado. Lita também não se envolveu com o filme, claramente. Sandy West, que morreu em 2006, tem uma partipação um pouco mais relevante, mas sempre caricata e sem profundidade.

Os pontos positivos do longa vão para a produção, que modela com perfeição o visual das garotas. O show no Japão é simétrico. Talvez o espírito de anos 70 pudesse ser melhor trabalhado, pois não sentimos tanto a viagem para aquela época devido ao caráter extramamente pop instaurado pelas atrizes principais, mas a trilha sonora arrasadora segura as pontas, com clássicos que passam por James Brown, The Stooges e David Bowie. Outro ponto positivo é o fato das atrizes, Fanning e Stewart, cantarem algumas canções, com um resultado convincente.

A direção de Floria Sigismondi é competente, mas desprovida de originalidade. Fica no feijão com arroz, tudo bem videoclipe, que é sua área. Já seu roteiro, baseado no livro de Currie, como já foi citado, é uma afronta a história da banda, por resumir de maneira caótica sua cronologia, fazendo com que seu desfecho apresente um chilique ao invés de um rompimento.

Joan Jett e Cherie Currie tiveram uma posição importante na história da música, pois foram as primeiras representantes feminas enfáticas do rock ‘n’ roll marginal da época. Joan Jett, depois de terminar com a The Runaways, gravou alguns dos clássicos mais maneiros do rock, como “I Love Rock ‘n’ Roll”, "Crimson and Clover" e “Bad Reputation”. Com o filme, o valor das musicistas é de longe explorado, e apesar delas serem as únicas visadas na produção, com certeza a intenção de reelembrar a época perdida foi uma decepção.

Crítica de Cinema: O Garoto de Liverpool

Posted by Programa Enter

Por: Ronaldo D'Arcadia

Um corajoso retrato da juventude problemática de um dos maiores gênios da música.


“Ele é um autêntico homem de lugar nenhum”. Este é o trecho inicial de “Nowhere Man”, música icônica de John Lennon que inteligentemente serviu de referência para o titulo original do filme em questão, “Nowhere Boy”.

Apesar da influência e do reconhecimento do compositor na história moderna, nunca antes um filme havia retratado de forma tão eficiente sua personalidade. Dirigido pela britânica Sam Taylor-Wood (em seu ousado trabalho de estreia), com o roteiro de Matt Greenhalgh, (responsável também pelo excelente "Controle - A História de Ian Curtis", que conta a trajetória do polêmico vocalista da banda Joy Divison), e baseado no livro “Imagine This: Growing Up With My Brother John Lennon”, escrito pela meia-irmã do Beatle, Julia Baird, o filme respira veracidade e referências marcantes da vida daquele que um dia ajudaria a transformar o mundo da música.

A história nos leva para a Liverpool dos anos 50, apresentando um jovem Lennon (Aaron Johnson) que ainda não entendia nada de música. Para aqueles que conhecem um pouco da história do cantor, sabem que sua juventude foi extremamente tumultuada. Ele foi criado pela famosa tia Mimi (Kristin Scott Thomas), típica dona de casa da classe média britânica, com emoções e atitudes contidas, algumas vezes ásperas e frias demais. Apesar da postura rígida, Lennon se dava bem com ela, mas foi depois da morte de seu tio George (David Threlfall) que as coisas começaram a mudar. No enterro, ele viu a mulher que desconfiava ser sua mãe. De cabelos vermelhos, ela se chamava Julia (Anne Marie Duff).

Morando apenas algumas quadras de sua casa, Julia era peculiar. Lennon então se aproxima dela, sendo recebido de forma calorosa, ou podemos dizer exageradamente afetuosa, pois, sendo muito nova, ela mais parecia uma namorada do que mãe do garoto, devido aos constantes abraços e beijos dados entre os dois. Um inverso então se forma. Longe da rigidez de Mimi, Lennon aproveita seu tempo com Julia, que é a responsável por apresentar o famoso Rock ‘n’ Roll para o jovem. Apesar dos problemas que viriam a surgir em meio a essa disputa entre Mimi e Julia, a relação de Lennon com sua mãe se solidifica.
O roteiro é construído de forma muito inteligente. Os dilemas do rapaz, envolvendo sua busca pelos verdadeiros motivos do abandono da mãe, ou mesmo do silêncio da tia, são trabalhados de forma eficiente, com uma profundidade dramática excepcional, e ao mesmo tempo, seu amor pela música cresce de maneira orgânica. Sua evolução no banjo - instrumento que aprendeu a tocar com a mãe-, é perfeita. Depois disso vem seu primeiro violão, presente de Mimi, assim como sua primeira Hoffner.

Um conjunto começa a se formar. O “The Quarrymen” vai evoluindo conforme os novos integrantes vão surgindo. Primeiro é Paul McCartney (Thomas Sangster), em uma cena hilária, que se apresenta para Lennon (com certeza os fãs vão adorar). Depois Paul traz George (Sam Bell), muito habilidoso com a guitarra. Na época, Lennon mal sabia direito como tocar, mas já possuía muita personalidade. Com a entrada dos novos companheiros, principalmente McCartney, é que tudo começa a ficar mais sério. Os dois passam a treinar juntos e compor suas primeiras canções, como a ótima “In Spite of all the Danger”. Julia e Mimi sempre incentivaram Lennon, apesar de algumas vezes Mimi tirar o violão do garoto devido ao péssimo comportamento na escola. Enfim, tudo segue relativamente bem até o trágico acidente de Julia.

O time de atores se mostra inspirado. Aaron Johnson surpreende como John Lennon e capta perfeitamente a essência do cantor. Está tudo lá: a fala arrastada e o sotaque carregado, os olhos caídos enquanto faz alguma piada infame. Aparentemente é difícil enxergar Lennon no rapaz, mas ao visualizar a imagem do cantor, ainda jovem, no contexto da interpretação de Aaron, o resultado acaba sendo excelente. Sua atuação em “Kick-Ass: Quebrando Tudo” prova a versatilidade do ator. Mimi também está muito bem representada pela experiente Kristin Scott Thomas, que acha o tom exato para a personagem, fazendo que, mesmo com sua dureza, ela tenha um carisma inegável. Anne-Marie Duff também se sai muito bem com a complicada Julia. Sofrendo possivelmente de um transtorno bipolar, a mulher tem altos e baixos vertiginosos, sendo eles catalisadores de suas atitudes condenáveis.

Thomas Sangster segue a mesma linha de Aaron com seu McCartney. Com muita competência ele reproduz de forma verossímil seu personagem, apresentando os trejeitos, a fala mansa e coesa do astro (com as sobrancelhas sempre erguidas e a cara de bom moço). Sendo bem explorado, o filme faz referência a futuros atritos envolvendo mulheres em meio a banda, demonstrando a postura de líder que McCartney viria a ter junto a Lennon. Sam Bell acaba tendo pouco espaço com seu George, mas cumpre seu papel, como um guitarrista que está ali para aproveitar o momento ao máximo, muito diferente do homem sério e calado que iria se tornar. Com os atores cantando de forma eficiente, a obra apresenta ainda uma trilha sonora e incidental motivante, calcada nos clássicos dos anos 50. Uma verdadeira aula de música.

Com muitas referências, o filme é um prato cheio para os fãs, que logo no começo já notaram o acorde aberto e estridente de “Hard Day’s Night”. A produção se destaca também com a descrição dos fatos e da época. Para quem já viu fotos da “The Quarrymen” tocando em cima do caminhão em uma festa da cidade, vai notar a semelhança indiscutível. Outros momentos, citados diversas vezes por Lennon em entrevistas, marcam presença, como a referência a seu amigo Stu, grande influência para o cantor, e o dia em que foi ao cinema e resolveu virar um astro do rock, e por ai vai.

No final, “O Garoto de Liverpool” trata com respeito seu personagem principal. Amparado por um ótimo roteiro, podemos vislumbrar os problemas que fizeram de John Lennon uma pessoa tão complexa: a falta de identidade, um possível complexo de Édipo, as perdas e os momentos traumáticos. Por mais poética que a obra possa ser, ela resume bem esta fase importante na vida de Lennon e seus companheiros.
Além de presentear os fãs com uma cena emocionante nos momentos finais, protagonizada pelos amigos de banda, a diretora Sam Taylor-Wood mostra sua qualidade, alcançando uma condução competente e criativa. Alguns problemas existem, mas são praticamente relevados pela força da história que está contando. Apesar de todas as camadas, a direção capta aquilo que fez de Lennon um astro: sua simplicidade na hora de fazer música, que misturava a pureza do rock com a inovação do pop, ritmo contemporâneo alicerçado por ícones como Billie Holiday e Elvis Presley. Essa simplicidade é que o aproxima de todos, fazendo de suas canções obras inesquecíveis.