Crítica: Tron - O Legado

Posted by Programa Enter

Por: Ronaldo D'Arcadia

Quase trinta anos depois o universo de Tron continua um lugar a ser visitado, mas dessa vez de forma menos interessante.


Quando “Tron - Uma Odisséia Eletrônica” foi lançado eu nem ao menos havia nascido, mas desde muito cedo já via nele um diferencial gritante: a audácia de empregar um visual único alicerçado pela computação gráfica da época, os famosos “efeitos especiais”. Muitos anos se passaram, e o universo de Tron continua um lugar atual, vintage e ao mesmo tempo contemporâneo, com o potencial de render novas histórias e mais alguns milhões em bilheterias (e complementos).

A história começa com Kevin Flynn (Jeff Brigdes) contando ao seu pequeno filho Sam as inúmeras possibilidades revolucionarias de seu trabalho, e como anseia em compartilhar isto com ele. Isto nunca ocorreu, devido aos acontecimentos do primeiro filme. O garoto então cresce sem o pai, mas sempre enxergando sua sombra na rentável corporação Encom de tecnologia. Mesmo tendo uma relação de “padrasto e filho revoltado” com a diretoria da empresa, o jovem rapaz é peça presente do patrimônio, que poderia estar em suas mãos, mas por escolha não está. É então que algo estranho ocorre, levando Sam a visitar o antigo fliperama de seu pai. Lá ele encontra sua passagem de ida para a “Grade”, esta espécie de universo metafísico onde programas vivem em sociedade.

Logo sendo capturado por um típico firewal, o sistema acaba não reconhecendo que programa Sam é, mesmo ele afirmando não ser um programa. Sua sentença é participar dos temidos “jogos”, uma arena de gladiadores que serve de diversão para a Grade enquanto elimina softwares desconhecidos. Sua única chance é escapar de lá, para assim buscar respostas com aquele que criou todo este universo, seu desaparecido pai.

O mote central de “Tron – O Legado” é a relação pai e filho. Toda a criatividade do universo é o principal fator que instiga a trama, que no final fica em segundo plano, perdendo para o visual arrojado e trilha sonora excepcional (realizada pelo Daft Punk, dupla francesa de música eletrônica que aparecem como DJ’s mascarados). Sendo registrado parcialmente em 3D, o filme traz um aspecto maravilhoso, com o escuro universo da Grade iluminado por seus prédios e habitantes bizarros. A repaginada do visual (mediante ao primeiro longa) foi de bom gosto, tornando tudo muito mais limpo e afiado.

Filmado pelo diretor estreante Joseph Kosinski , o filme traz cenas de ação de qualidade, cheio daqueles clichês que todos adoram, como muito slowmotion (tipicamente “Matrix”), profundidades de 3D bem trabalhadas, e um quesito que pode se dizer ser o mais interessante de todos: a brutalidade da morte suavizada em forma de cubos. Outro ponto mais que positivo, sendo uma evolução que faz jus ao nome Tron, é a qualidade digital de Clu, personagem vilão que é uma cópia exata de Jeff Bridges nos anos oitenta. Seu realismo é incrível e talvez até confunda os mais desavisados.


Mas como um todo “Tron – O Legado” possui diversos problemas. Primeiramente, o roteiro não tenta, ou nem se importa em tentar transformar seu herói principal Sam em alguém carismático, sendo ele raso e distante do público. A atuação pouco convincente de Garrett Hedlund colabora com esse resultado, e a falta de conteúdo de seu personagem é clara depois de frases de efeito furadas como “Você deve estar de brincadeira!”. Outro problema grave é a amnésia que o filme sofre após entrar na Grade. Logo no início, somos apresentados a diretoria da Encom, que aparentemente tenta enterrar o nome Flynn e alçar voos capitalistas mais altos. Este contexto é simplesmente esquecido, o que explica a ponta não creditada de Cillian Murphy, que até aparentava ser o vilão da vez, mas talvez fique para a próxima. Toda esta inconsistência se expande por toda a história e seus personagens, que no final não conseguem se desenvolver de forma satisfatória.

Só que mesmo com o roteiro fraquíssimo não colaborando, Jeff Bridges em alguns momentos emociona com o amor paterno de seu Kevin Flynn e Olivia Wilde esta linda e versátil como a essencial Quorra, guerreira que precisa ser protegida. Ainda falando sobre os atores, temos o excelente Michael Sheen transvestido de David Bowie (vulgo Ziggy Stardust) interpretando o maluco Castor. E só. E o programa Tron por onde anda? Ou Alan Bradley? Bem, ele pelo menos é inserido, de forma capenga por sinal .

Sendo um high concept de primeira, que visa lucrar muito com seus inúmeros brinquedos e jogos, fica a sensação de que faltou muito feeling na hora de se produzir este filme. O visual diferenciado com certeza arrastará multidões para o cinema, mas isso não apaga os inúmeros defeitos de roteiro, e um personagem principal sem carisma interpretado de forma duvidosa. Como disse em outras críticas, agora volto a dizer, como nenhum filme vive apenas de cenas mirabolantes de ação, o resultado é simplesmente morno. Uma decepção.

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