Críticas de Cinema: "O Profeta"

Posted by Programa Enter

por: Ronaldo D'Arcadia

Com um realismo orgânico, “O Profeta” nos apresenta ao desconhecido submundo das prisões francesas.

Todos sabemos como as facções criminosas muitas vezes comandam os presídios de nosso país. Homens com poderes ilimitados, que além de seus negócios do outro lado do muro, controlam também policiais, advogados e uma legião de seguidores. O filme “O Profeta” aborda esta sociedade atrás das grades, mas a diferença aqui é o sotaque, e também o caos calmo que existe nestas relações. Presídios franceses são muito diferentes de presídios brasileiros. Enquanto aqui homens ficam abarrotados em celas, tendo sua sanidade diretamente afetada, na Europa, a prisão segue uma existência mais humana, mas que não deixa de ser cruel.
Tudo começa com a chegada de Malik El Djebena (Tahar Rahim) na prisão em que viverá nos próximos seis anos. Ele é um jovem de descendência árabe que nada tem na vida. Ao ser preso, está sozinho, e claramente precisa se aliar com algum grupo para não se dar mal. As oportunidades surgem, e Malik as aproveita. Empurrado por um extinto de sobrevivência incrível, o jovem começa a ascender na vida do crime, ganhando cada vez mais status e respeito entre seus companheiros. Estrategista perfeito, suas jogadas se concretizam de forma brilhante, uma manipulação de fatores digna de mestre.

O diretor da obra é Jacques Audiard, um francês de muito talento que tem em seu currículo o também excelente “De Tanto Bater Meu Coração Parou”, filme fortemente premiado quando lançado em 2005. Com seu “O Profeta”, ele venceu o Grande Prêmio no Festival de Cannes, em 2009, e foi indicado ao Oscar de Melhor filme estrangeiro, levou também Bafta de melhor filme estrangeiro, desbancando o favorito “A Fita Branca” de Michael Haneke, e por fim, ganhou nove troféus no César, o festival mais renomado da França.


Audiard é fantástico com sua câmera crua e sempre em movimento. Em tom documental ele nos apresenta aquela realidade de forma orgânica e natural. Brincando com os elementos, como visão, audição e mesmo as diferentes línguas de seus personagens, mergulhamos diretamente dentro do filme, acompanhando passo a passo a evolução da trama.



O roteiro é uma obra de arte. Muito bem amarrado, por muitas vezes ele não se preocupa em explicar até onde vão suas raízes, deixando para o público a dedução obvia dos acontecimentos. Com uma evolução clara de seus personagens, Audiard, juntamente com o roteirista Thomas Bidegain, constrói uma história de ascensão ao poder digna dos grandes filmes de mafiosos.

A trilha sonora também chama a atenção. Trabalhando de forma discreta durante todo o longa, ela por vezes se revela bem humorada, executando canções americanas como um rap carregado, um blues arrastado e ainda uma versão acústica incrível de “Mack The Knife” imortalizada pelo grande Frank Sinatra.
O time de atores é perfeito. Auspiciosamente escolhidos, todos são caras novas ou com poucos trabalhos feitos. Tahar Rahim, que interpreta o personagem principal Malik El Djebena, está perfeito como este criminoso de boa índole. Apesar de dar a volta em seus comparsas, e assassinar a sangue frio seus inimigos, o garoto nunca perde o ar de bom amigo. Ele é o criminoso perfeito, uma espécie de Teddy Bundy dos franceses.
Junto a ele está Niels Arestrup interpretando César Luciani, chefão da quadrilha toda, que manda em tudo dentro da prisão. Apesar de sua influência política dentro e fora dos muros, Luciani sabe que deve manter sua posição com mão de ferro, pois quando se está no topo, para baixo e a única direção disponível. O elenco de apoio é todo formado por atores de teatro e não atores ex presidiários, fazendo com que as relações sejam as mais autênticas possíveis.

Com reviravoltas incríveis e cenas de uma crueza impar, “O Profeta” marca presença entre os grandes filmes de criminosos, mas com o característico tom realista das obras européias dignas de nota. Em certa cena, Malik elimina um adversário com apenas uma lamina de barbear. Um fundo corte na veia carótida do pescoço do homem faz com que seu sangue se perca rapidamente. Após a execução, o fantasma do morto acompanha Malik de forma silenciosa, um fantasma que no final acaba se tornando seu único amigo de verdade. A voz do inconsciente de um profeta do crime é também a loucura necessária para a sobrevivência de um ser humano dentro de um sistema ironicamente sem leis.

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